KANTRAMOR

HISTÓRICO KANTRAMOR

 

 

Aos que não me conhecem, meu nome é Kantramor. Como todos sabem, sou sacerdote do glorioso Moradin. Por isso lhes falo de maneira honesta, transparente…hoje mais do que nunca. Vou lhes contar um pouco de minha história e que nosso deus criador dos anões utilize esse desabafo como bem entender. Pois para vocês, será uma importante lição.

Quando olho para trás, percebo que minha caminhada com Moradin foi longa. Mas infelizmente não posso dizer que sempre estive com ele. Ele não me deve fidelidade, mas esteve comigo em quase todos os momentos. Tudo que vou lhes contar agora está livre das amarras do orgulho.

Moradin nunca me prometeu uma trajetória fácil. Muitos foram os obstáculos. A maioria destes eram quase inevitáveis, mas alguns eu mesmo criei. O mundo é regido por deuses e seus desígnios. Obviamente existem aqueles que conseguem enxergar isso com clareza. Enquanto outros não reconhecem esse fato, seja por estupidez, ignorância ou por negligência.

Contudo, essa informação é incompleta. É apenas uma das peças do imensurável jogo de quebra-cabeça que vocês conhecem como vida. Sendo assim, a real dificuldade está em compreender qual é o nosso papel nesta jornada e essa é a peça-chave para que toda a imagem se revele em seu total esplendor.

Ainda muito jovem, fui ensinado a sempre dar importância para as preocupações. Ao menos para as minhas. Quando um bardo se apresenta para um grande público pela primeira vez, surge um leve desconforto, um “frio na barriga” como eles dizem.

Então eu lhes advirto… Isso não é diferente com os sacerdotes, uma vez que as doutrinas têm grande influência sobre muitas vidas, e a experiência não afasta tal desconforto.

Agora, imaginem como nossos sermões e nossas ações (sem falsa modéstia), são infinitamente mais importantes do que qualquer arte ou magia secular, já que a mensagem que proferimos trata-se de redenção. Esta é a razão pela qual damos extrema importância e atenção sobre como falar a respeito de Moradin sem ser displicentes e apáticos. Se falharmos com essa responsabilidade, corremos o risco de pouco a pouco transformar nossos corações em uma bigorna fria, dura e consequentemente cada vez mais quebradiça. E então surge o medo.

Bem. Em determinada época de minha vida, eu tinha muita pouca experiência e me faltava sabedoria. Não tomei os cuidados necessários e confesso que fraquejei. Mas é importante que vocês entendam como tudo aconteceu.

Como Moradin forjou os anões a partir dos moldes das rochas, temos vantagens que nos distingue de outras raças, tais como nossa brilhante capacidade de mineirar e batalhar pelo que acreditamos. Esse material forte do qual somos feitos nos auxilia a ficarmos de pé onde muitos tombariam por fraqueza na carne ou no caráter. Contudo, tal firmeza nos dificulta a ficar de joelhos. Isso ajuda a não nos curvarmos para injustiças, mas nos prejudica quando realmente precisamos ser humildes. Somos firmes e determinados, mas também orgulhosos em demasia quando precisamos admitir nossos erros e pedir desculpas se faz necessário. Ainda assim, entendo que é assim mesmo que temos que nos manter. Moradim nos criou exatamente dessa forma. Ainda assim, por mais que seja difícil, temos que evitar os excessos, de maneira que nosso orgulho não se torne soberba e os erros persistam o suficiente para se tornarem fracassos.

Fui separado por Moradin, desde que nasci e por tanto sempre tive fé e confiança nele. Adorar e seguir meu deus com a grande força que meu coração indicou que deveria fazer, fez de mim um sacerdote. Até esta fase de minha vida, as dificuldades eram meramente protocolares.

Eu sentia que tinha tudo o que eu precisava e sabia quais eram as responsabilidades de um sacerdote. Sabia o que as pessoas esperavam de minhas ações e minha conduta era ilibada.

Eu era reconhecidamente um anão cumpridor de todas as expectativas alheias sobre meu proceder e mesmo assim me sentia aflito e impaciente em certas ocasiões. Principalmente quando se fazia necessário discursar para muitas pessoas. Contudo, acredito que a semente do medo ainda não fora plantada nessa ocasião. Então o tempo passou e durante meu progresso, tive a revelação de que entre vários sacerdotes, o próprio Moradin escolheu poucos para ministrar milagres e eu era um desses. Assim, fui separado dos demais para maiores instruções e conheci algumas autoridades sacerdotais. Nos corredores do templo alguns sussurravam que eu era digno de tais milagres por ser promissor. Enquanto outros, com seus olhares mais fechados, pareciam gritar internamente que eu era uma farsa e que eu não deveria contar com tais privilégios divinos. Foi a partir deste momento que, pela primeira vez na vida, passei a vacilar em minhas certezas e pensar que as ferramentas que eu possuía não eram tudo o que eu precisava para esculpir as melhores obras que eu poderia e precisava fazer. Nesta época eu fui testado muitas vezes e hoje entendo por que fui aprovado várias vezes e surpreendentemente outras não. Mas a certeza de que a devoção por Moradin era o único caminho estava intacta e isso era a base para que eu não me sentisse indigno.

No momento em que os milagres brotaram de meu ser através do poder de Moradin, fui chamado para ser acólito do bispo e embora fosse um cargo baixo na hierarquia, o papel que eu desempenhava me trazia alto grau de notoriedade e isso me deixava desconfortável. Então, eu tentava ser discreto e suficientemente calado para não ter pedras entre os dentes.

Como eu acompanhava o bispo em todas as abundantes atividades, fossem estas eclesiásticas, políticas, diplomáticas etc. Idas e vindas ao castelo do rei anão eram constantes. Sobretudo pela crise em que o reino estava mergulhado. Isso aconteceu logo após a Grande Guerra, em que nossa tropa de guerreiros de elite foi devastada e nossos inimigos ceifaram a vida do comandante do exército, o genro do rei. Uma perda brutal e lastimável.

Lembro-me que o bispo era requisitado com muita frequência pelo rei para cuidar da princesa que em período de gravidez, ficou depressiva assim que soube da trágica morte de seu marido. Então, pude acompanhar de perto o deprimente estado em que ela se encontrava. Não apenas eu, mas todos do reino puderam sentir a sua dor, digna de cortes no coração, já que muitos outros pais e maridos também pereceram e não puderam retornar para seus lares e abraçarem suas famílias. Neste momento desesperançoso, comecei a me questionar se todo o trabalho árduo, se todos os testes a que fui submetido, se todos os ensinamentos e tarefas que recebi do bispo teriam algum sentido. Se todo aquele conjunto de acontecimentos mórbidos teriam um porque ou um fim. Será que eu estava me afastando da fé em Moradin? Me afastando daquilo que sempre foi a verdadeira razão da minha existência? No passado não tão distante, em qualquer situação, éramos apenas eu e Moradin. Isso me era o bastante. Mas naquele momento não, por razões que ainda não sei explicar. Eu me sentia perdido, confuso e então o medo me enredou de forma constante e progressiva a ponto de acreditar que eu já não era mais digno de tantas bençãos. Assim, fui cada vez mais me traumatizando e criando lembranças ruins que minavam a minha fé. Isso fez com que as falhas em meus afazeres fossem corriqueiras e até mesmo minhas orações não continham o necessário grau de concentração.

Apesar do meu afastamento e de minha progressiva queda, em uma noite de clima gélido, meu coração voltou a se aquecer de fora para dentro e então entrei em estado de completa entrega na oração ao nosso deus Moradin. Foi assim que durante minhas preces fervorosas, tive uma visão, na qual eu estaria no quarto da princesa e faria um ritual que salvaria a princesa e sua criança da morte certa. Sim. Moradin, usaria minhas mãos para tal milagre.

Assim que me recuperei da visão repentina, me senti como se jovem novamente eu fosse e todo o peso das inúmeras responsabilidades e deveres simplesmente desapareceu. A minha conexão divina novamente estava ativa, meu coração batia forte e a cúpula de medo que me envolvia se desfez. Um feliz momento de fé inabalável, pois sabia que a visão era uma missão que eu deveria concluir por ordem do próprio Moradin. Sendo assim, passei vários dias arquitetando tudo o que eu precisava fazer e com a permissão do bispo, consegui acesso ao leito da princesa. Lá, recrutei um gnomo (bobo da corte e amigo da família do rei), para me ajudar nos preparativos do ritual. Foi uma ótima escolha, já que este se importava muito com a vida da princesa e a conhecia desde quando ela era criança.

Finalmente o dia do ritual chegou e então repeti o mesmo processo que me vi fazendo em minha visão. Fiz o preparo do líquido anestésico, a princesa adormeceu, no chão fiz um círculo com o símbolo sagrado de nosso deus, entrei no mesmo que ficava ao lado da cama e com dois dedos banhados em pó de chumbo, toquei na testa, no ventre da princesa e comecei a orar e proferir as exatas palavras em uma língua anã muito antiga. Feito isso, sob o conhecimento necessário que me foi soprado divinamente, mesmo sem experiência anterior, fiz um parto com sucesso total onde a princesa e seu sadio filho sobreviveram sem sequelas. O gnomo foi meu ajudante e ao final do evento, pude notar seu olhar expressivo de profundo alívio. Embora tenha sido uma das coisas mais difíceis que já fiz, se eu pudesse voltar atrás, faria tudo novamente, pois a mesma expressão do gnomo, também estava no rosto do rei dos anões. Ali foi a confirmação de que Moradin sabe de todas as coisas, nos lidera sempre para o melhor norte e sua vontade é soberana.

Depois do parto milagroso, conquistei mais respeito e liberdade de ações e então, com a benção do bispo, fui apenas aconselhado a rumar para a região dos Vales para colocar em prática tudo o que aprendi e servir ao nosso deus de maneira mais prática com certo grau de independência. Contudo, devido a minha falta de maturidade e sabedoria, não percebi que para os Vales viajei levando um clandestino. Alguém que estava infiltrado e muito bem escondido. Não extinto, como outra hora eu erroneamente me convenci. Esse sujeito oculto era o medo.

Passei parte de minha juventude para a maturidade conhecendo aquelas terras e lhes falarei resumidamente sobre o pior dia da minha vida. O dia que me afastei inconscientemente de Moradin logo após testar o poder de minha fé. Hoje eu sei que um sacerdote sem fé é o mesmo que um guerreiro sem seu machado. Eu pensava que não precisava passar por tal aprendizado e este foi um dos piores erros da minha vida.

Fui encarregado de proteger um artefato poderosíssimo. Tratava-se do livro do deus Cyric.

E na tentativa de querer me provar e que jamais iria hesitar diante do perigo e das forças malignas, fiz uma presse para Moradin, solicitando permissão para abrir o livro, que depois

percebi ser amaldiçoado. Então tive a seguinte resposta: “Se sua fé for grande o suficiente, abra o livro e nada lhe acontecerá”. Hoje compreendo que neste momento eu estava fora de juízo e me arrependo de ter feito aquela escolha. Na verdade, até hoje me pergunto o real motivo que me fez abrir aquele livro…Não havia nenhuma razão para cometer tal equívoco, a não ser meu excesso de orgulho que naquele ponto já era pura arrogância. Eu pensava que nada e ninguém poderia me deter diante de meus objetivos tão nobres. Sei que a fé de um sacerdote deve ser algo perene e inquestionável e não podemos permitir que sentimentos externos interfiram em nossas convicções. Mesmo assim, abri o maldito livro de mentiras e tudo que havia de Moradin em mim se desfez. Todos os símbolos em minhas vestes, martelo mágico e principalmente a marca de Moradin em minha alma. Infelizmente passei a servir ao deus Cyric e a todas as suas vontades. Então lhes peço perdão por tais feitos e lembranças desagradáveis. Mas Moradin também é misericordioso e colocou em meu caminho, bravos amigos que me salvaram da perdição e destruíram tal objeto nefasto.

Sendo assim, em primeiro lugar nas suas vidas, Moradin. Sempre. Em segundo, jamais se esqueçam de manter gratidão aos seus amigos e fiquem atentos aos que não são verdadeiros. Não é fácil encontrar amigos que literalmente podem arriscar suas vidas para te salvar. E felizmente pude contar com a ajuda de Abathur, Austir e Forkefin, para ser retirado daquela sobrevida corrompida e retornado para a proteção do nosso deus criador.

Depois de tais acontecimentos, tive uma longa fase de adaptação até chegar a ser a pessoa que hoje eu sou, mas o caminho foi espinhoso o suficiente para que a hesitação tomasse conta do meu ser e lá estava ele a me atormentar. O medo. O medo de confundir a minha fé com a minha soberba e arrogância, fizeram com que eu cometesse erros terríveis. Erros que custaram as vidas de inocentes, incluindo crianças.

Perdão. Cometi erros que em sã consciência, ninguém jamais cometeria e me arrependo também pelos enganos que qualquer um poderia cometer. Isso foi mais grave porque sou sacerdote de Moradin. Ao analisar minha trajetória, percebi que é muito importante desenvolver coragem. Pois é preciso muita coragem para lidar com grandes responsabilidades sem que as dúvidas, inseguranças e excessos abram brechas para que entre o medo.

Sei que todos os nossos atos têm consequências boas ou ruins, para alguns ou para todos. Mas, se deixarmos que o medo seja o nosso guia velado, fatalmente ficaremos paralisados e a mercê de julgamentos e condenações. E não existe acusador mais injusto do que nós mesmos quando permitimos que o medo dê o veredito.

Finalmente, deixo-lhes o conselho máximo. Dediquem tudo de melhor para Moradin. Ações, pensamentos, palavras, obras, feitos, conquistas e vitórias. A melhor parte sempre para Moradin. Façam tudo de melhor para ele e por ele. Deixem de lado a soberba, a ganância, orgulho, a vaidade, o medo e qualquer outro sentimento ou comportamento negativo que possa separar vocês do nosso criador. Se estivermos com ele no melhor, nas piores situações ele há de nos resgatar e nos redimir. Entrega total de coração para Moradin, faz com que árvores malignas não tenham frutos e na maioria das vezes tais sementes nem sequer germinem, já que seu martelo é o único capaz de esmagar galhos, troncos e raízes perniciosas.

Desejo-lhes vitórias em seus caminhos e não se esqueçam que a redenção existe para todos aqueles que se arrependem e desejam ardentemente um novo começo. Espero que guiem nossos irmãos com sabedoria, responsabilidade e coragem, pois Moradin é o cerne de nossas vidas e deve estar a frente de tudo e de todos, sempre.